segunda-feira, 10 de maio de 2010

Não há motivo para te importunar


"Não há motivo para te importunar a meio da noite, como não há leite no frigorífico,
nem um limite traçado para a solidão doméstica.

tudo desaparece. Nada desaparece.
tudo desaparece antes de ser dito.

e tu queres dormir descansada.
tens direito a um subsídio de paz.
se escrever um poema, esse não é motivo para te importunar.
eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas de manhã cedo.

toda a gente sabe que a noite é longa.
não tenho o direito de telefonar para te dizer isso,
apesar dessa evidência me matar agora.

e morro, mas não morro.

se morresse, perguntavas: porque não me telefonaste?
se telefonasse, perguntavas: sabes que horas são?

Ou não atendias.

e eu ficava aqui.
com a noite ainda mais comprida, com a insónia,
com as palavras a despegarem-se dos pesadelos."


José Luís Peixoto

2 comentários:

Di disse...

não sei como é que ainda não tinha comentado se é prai a 4a vez que venho cá reler.

<3

*

Unknown disse...

José Luís Peixoto??
Que surpresa!